25.4.24

Antonio Orihuela (Coimbra)

 



COIMBRA

 

El único lugar de Portugal donde aún suena
Grândola, Vila Morena
es en Beco da Carqueija.

Hace cuarenta y cinco años de aquel 25 de abril,
suficientes para que el fascismo
se haya comido todos los claveles.

Antonio Orihuela



Num só lugar de Portugal se ouve ainda
Grândola, Vila Morena
-
é no Beco da Carqueija.

Quarenta e cinco anos do 25 Abril,
suficientes para o fascismo
lhe comer os cravos todos.

(Trad. A.M.)

 .

23.4.24

Álvaro Cunqueiro (Luz molhada)




Luz mojada le llegaba del mar.
¡Qué claro el tiempo
para verla en la playa
con presencia de cosa!
¡Qué sencilla la tarde
para besarla en el pelo
con caricia animal y pura!
¡Luz mojada de sus ojos
llevaba el mar!


Álvaro Cunqueiro



Luz molhada lhe vinha do mar.
Que tempo claro
para a ver na praia
com presença de coisa!
Que simples a tarde
para a beijar no cabelo
carícia pura e animal!
Luz molhada de seus olhos
vestia o mar!


(Trad. A.M.)

.

22.4.24

Francisco Umbral (Filho)




Filho, salto que o dia dá
para outro dia.
Pimpinela,
sapatela,
pirete no ar
para outro ar.
Por ti andam as semanas
ao pé coxinho,
sem nunca pisar o risco.
Quem pisa o risco pisa medalha.
Quando o mundo não sabe
que passo dar,
e está tudo em suspenso,
como que travado,
saltas tu a pés juntos,
por sobre a levada,
e o dia volta a correr,
claro na tua água.


Francisco Umbral

(Trad. A.M.)

.

20.4.24

Louise Glück (Paisagem)




LANDSCAPE

 

Time passed, turning everything to ice.
Under the ice, the future stirred.
If you fell into it, you died.

It was a time
of waiting, of suspended action.

I lived in the present, which was
that part of the future you could see.
The past floated above my head,
like the sun and moon, visible but never reachable.

It was a time
governed by contradictions, as in
I felt nothing and
I was afraid.

Winter emptied the trees, filled them again with snow.
Because I couldn’t feel, snow fell, the lake froze over.
Because I was afraid, I didn't move;
my breath was white, a description of silence.

Time passed, and some of it became this.
And some of it simply evaporated;
you could see it float above the white trees
forming particles of ice.

All your life, you wait for the propitious time.
Then the propitious time
reveals itself as action taken.

I watched the past move, a line of clouds moving
from left to right or right to left,
depending on the wind. Some days

there was no wind. The clouds seemed
to stay where they were,
like a painting of the sea, more still than real.

Some days the lake was a sheet of glass.
Under the glass, the future made
demure, inviting sounds;
you had to tense yourself so as not to listen.

Time passed; you got to see a piece of it.
The years it took with it were years of winter;
they would not be missed. Some days

there were no clouds, as though
the sources of the past had vanished. The world

was bleached, like a negative; the light passed
directly through it. Then
the image faded.

Above the world
there was only blue, blue everywhere.


Louise Glück

[The Threepenny Review]

 

 

O tempo passou, transformou tudo em gelo.
Sob o gelo, o futuro bulia.
Se caísses lá dentro, morrias.

Era um tempo
de espera, de acção suspensa.

Eu vivia no presente, que era
a parte do futuro que podíamos ver.
O passado pairava sobre a minha cabeça,
como o sol e a lua, visível mas inalcançável.

Era um tempo
governado por contradições, como
Não sentia nada e
tinha medo.

O inverno esvaziou as árvores, voltou a enchê-las de neve.
Como eu nada sentisse, a neve caiu, o lago gelou.
Como se eu tivesse medo, permaneci imóvel;
o meu bafo era branco, uma descrição do silêncio.

O tempo passou, e uma parte dele tornou-se isto.
E outra parte evaporou-se simplesmente;
podíamos vê-la a pairar sobre as árvores brancas,
formava partículas de gelo.

Esperas a vida inteira pelo momento oportuno.
Depois o momento oportuno
revela-se acção consumada.

Eu via mover-se o passado, uma fila de nuvens a avançar
da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda,
consoante o vento. Por vezes

não havia vento. As nuvens pareciam
ficar onde estavam,
como uma pintura do mar, mais imóveis do que reais.

Por vezes o lago era um lençol de vidro.
Sob o vidro, o futuro murmurava,
modesto, convidativo:
tinhas de te concentrar para o não ouvires.

O tempo passou; chegaste a ver parte dele.
Os anos que levou eram anos de inverno;
ninguém lhes sentiria a falta. Por vezes

não havia nuvens, como se
as fontes do passado tivessem desaparecido. O mundo

perdera a cor, como um negativo; a luz atravessava-o
de lado a lado. Depois
a imagem apagava-se.

Por cima do mundo
só havia azul, azul em toda a parte

(Trad. Rui Pires Cabral)

 .

18.4.24

Fernando Luis Chivite (Poema da louca juventude)




POEMA DE LA LOCA JUVENTUD


Yo también lo quería. Yo también. 

Encontré algunas cosas, vislumbré
por supuesto algunas otras:
supe algo.

También me quedé quieto: casi
completamente quieto: loco
y solo.

Tenía una camisa azul claro gastada:
recuerdo aquel verano
con aquella camisa.

Yo también lo buscaba. Me gustaba la vida.
Si quería morir no era sólo
por ella.

 
Fernando Luis Chivite

 

Eu também o queria, também eu. 

Encontrei umas coisas, vislumbrei
já se vê algumas outras,
alguma coisa eu soube. 

Também eu fiquei quieto, quase
quieto de todo,
louco e só. 

Tinha uma camisa azul já gasta,
recordo aquele Verão
com essa camisa. 

Também eu o buscava, gostava da vida.
Queria morrer? Não era só
 por ela.
 

(Trad. A.M.).

17.4.24

Carlos Martínez Aguirre (O fantasma de um átomo)


 

EL FANTASMA DE UN ÁTOMO DE URANIO XX
EVOCA SU RUPTURA SENTIMENTAL

 

 

Tú te alejaste de mí…
y yo arrasé Nagasaky.


Carlos Martínez Aguirre

 

.

15.4.24

Linda Pastan (Casei contigo)



I MARRIED YOU 

 

I married you
for all the wrong reasons,
charmed by your
dangerous family history,
by the innocent muscles, bulging
like hidden weapons
under your shirt,
by your naive ties, the colors
of painted scraps of sunset.
I was charmed too
by your assumptions
about me: my serenity—
that mirror waiting to be cracked,
my flashy acrobatics with knives
in the kitchen.
How wrong we both were
about each other,
and how happy we have been.
 

Linda Pastan

 

Casei contigo
pelas razões erradas,
encantada com a tua
perigosa história familiar,
os músculos inocentes, salientes
como armas escondidas
sob a tua camisa,
as tuas gravatas ingénuas, das cores
de bocados pintados de pôr do sol.
Fui também atraída
pelas tuas suposições
sobre mim: a minha serenidade –
aquele espelho à espera de ser quebrado,
as minhas acrobacias exageradas com facas
na cozinha.
Que errados estávamos ambos
sobre o outro

e que felizes temos sido.

(Trad. fjcc)

 .