4.8.16

Eça de Queiroz (Um ministério gasto)





O ministério Cardoso Torres, ao fim da última sessão parlamentar, estava gasto.

Esta expressão a que eu chamaria, se me não contivesse o respeito, a «gíria constitucional», refere-se a um fenómeno venerável e repetido, que eu nunca compreendi bem, apesar das explicações benévolas que me foram dadas por conservadores, republicanos e cépticos.

Há ministérios que se gastam.

E todavia, esses ministérios, como os outros, administram o tesouro com honestidade, fazem o expediente das secretarias com suficiente regularidade, mantêm no país uma ordem benéfica, não oprimem nem a imprensa nem a consciência, são respeitosos para com o Chefe de Estado, acompanham com dignidade, ao Alto de S. João, todos os defuntos ilustres, falam nas Câmaras com honrosa correcção, são na vida privada cidadãos estimáveis, e no entanto – ao fim de alguns meses desta rotina honesta, pacata e higiénica – gastam-se.



EÇA DE QUEIROZ
O Conde de Abranhos

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