5.12.16

Manuel de Freitas (Chão antigo)





CHÃO ANTIGO



É pena que já não existam
esses lugares imundos – puros, quero eu
dizer – onde a morte entrava
sem ter de pedir licença.
Lugares onde eram por igual sinceros
o sono, o vómito ou a sombra de um abraço
(Maiakovski e Céline tinham a mesma importância
e a sorte de não serem futebolistas).

É pena que já não possamos
comemorar no chão a derrota
do corpo pela manhã. Ao lavarem
os copos, da última vez, houve duas
ou três gerações que se partiram.
Talvez eu pertencesse a uma delas – mas
isso, ao poema, importa muito pouco.

Há um lugar que escreve sobre
a ausência de todos os lugares.
Tonéis de vários tamanhos
onde inscrevi, por distracção,
o único nome verdadeiro.
Estou a falar, naturalmente,
de tabernas.
Mas talvez não seja apenas isso.


 MANUEL DE FREITAS
A flor dos terramotos
(Averno)


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