6.5.18

Aquilino Ribeiro (Um lençol esburacado)






(Um lençol esburacado)


O monte lembrava um lençol esburacado.

Se a neve derretera aqui, conservava-se emaçarocada além, à volta de sargaços e tojeiras e onde quer que houvesse farfalha.

O sol, às vezes, vinha uma nuvem e cobria-se.

Mas ele voltava a correr alegre e ruivo pelo mundo, mais bonito que o novilho duma vaca ratinha, ainda mamão, a pinchar no prado.

As águas desciam dos altos tagarelas como nunca, e pelas eiras os passarinhos debicavam, muito grulhas, as espigas esbanjadas pelos palheireiros.

Havia nuvens e mais nuvens no céu, brancas, rebolonas, em bandos.

Tocava-as um ventinho repontão, e davam ideia de belros de ovelha, carmeados, antes de enfardar.
O mundo era como Lázaro ao atirar com a mortalha aos quintos.

Por toda a parte, caminhos, matos e árvores, a neve derretia.

Pinheiros e carvalhos, se do lado do poente continuavam cabisbaixos e oprimidos pelo seu peso, à outra banda erguiam já ramos desembaraçados.

A morte branca rodara por esta vez.

AQUILINO RIBEIRO
O Malhadinhas
(1958)
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